quarta-feira, setembro 24, 2003

Uma conversa informal

A Maria Eduarda canta no coro da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. É jornalista e coordena a conversa que se desenrola num fim de tarde de Setembro numa cooperativa livreira de estudantes do Porto,
a UNICEPE. O Fernando, a Marlene (casada com o Fernando) e a Francisca e a Inês (filhas do casal), e o Manuel são os coralistas do coro da FPCEUP que se encontram para falar sobre a sua participação no grupo e a Clara, também
coralista, começa por fazer umas fotografias e acaba a participar na conversa.



Maria Eduarda: Vamos lá dizer porque é que estão no coro, o que as mantêm lá e porque acham que vale a pena lá participar, já que queremos transmitir a outras pessoas o que sentimos porque vamos lá duas noites por semana de inteira e livre vontade e isso tem de ter alguma razão, é, concerteza, porque alguma coisa nos atrai.

Fernando - Desde logo, a primeira razão, e a que me parece mais importante é a de estarmos juntos, de estarmos juntos, com aquelas pessoas em concreto e por esta causa, a de cantar.
Como é que começámos? Por acidente, como a maior parte das pessoas que estão neste projecto. Um acaso... Um acaso que as leva lá e alguém que insiste para que fiquem. Foi assim comigo. Fui lá para saber onde ia a Marlene - que já
estava no coro - e o maestro convenceu-me a ficar.



Maria Eduarda - Então deste agregado familiar quem foi o primeiro?

Marlene - Fui eu. E eu apareço porquê? A Inês e a Francisca já faziam parte do coro infantil no Centro de Estudos Musicais e eu apareço num contexto em que o Luís Lopes (maestro) pretende envolver os pais num projecto musical. Uma canção
de Natal em que os pais também participavam e eu fui cantando e no meio daquela gente que cantava pela primeira vez, a minha voz sobressaiu...

Fernando - A Marlene já cantava num coro...

Marlene - Então o Luís diz "alto! com a voz desta mãe, já tendo cá as filhas, podemos abraçar um projecto que já venho a pensá-lo, e que consiste em envolver as famílias na música..." É então que assisto a um primeiro ensaio no coro de psicologia.

Francisca - Nós (eu e a Inês) vamos também assistir e ficámos lá as três...



Fernando - Depois então é que eu vou lá e fico. Mas o meu caso é um caso que é interessante referir, de alguém que é incapaz de cantar.

Maria Eduarda - Pelos vistos não...



Fernando - Eu era um caso extremado de pessoa incapaz de cantar e parece que era mesmo. De tal modo que o Luís Lopes, a determinada altura, seis ou sete meses depois de eu lá estar, ele, que me tinha dito que toda a gente era capaz de cantar, acabou por me vir dizer que, se calhar eu tinha razão, pela primeira vez, e já lhe tinham passado centenas de pessoas pelas mãos, havia uma pessoa com incapacidade de cantar. Mas acrescentou, que a minha presença não só não estorvava como pelo contrário era enriquecedora pelo que podia continuar nos
ensaios embora não podendo participar nos concertos.
E assim continuei. E passado cerca de mês e meio ele concluiu que eu começara a cantar coisa de que eu me vinha também a aperceber. Pode demorar mais ou menos tempo, mas até um caso extremado como o meu acabou por demonstrar que toda a
gente é capaz de cantar.

Manuel - O Rui convidou-me para vir para o grupo. Primeiro fiquei relutante porque nunca tinha cantado, estava convencido que não tinha jeito nenhum, mas depois com o apoio do Luís que dizia para não ter medo, que toda a gente sabe cantar, melhor ou pior toda a gente canta, é uma coisa natural, acabei a gostar da experiência e neste momento participo até em dois coros e já não me vejo sem cantar, mesmo que não seja muito bem. É uma experiência muito rica e interessante.



Fernando - E esta mescla de idades, escalões etários tão diversos...

Manuel - Este esforço colectivo de unir esforços para não desafinarmos...

Marlene - Da nossa parte, a Inês, quando começou tinha cinco anos

Inês - Pois foi...



Marlene - E na altura tínhamos um programa muito intenso, de tal modo que às vezes os ensaios se prolongavam até às 23 horas e quantas vezes a Inês adormecia e era necessário então juntar cadeiras e adormecia embalada pelas nossas vozes e era necessário juntar cadeiras para a deitar...

Maria Eduarda - Mesmo já mais velha, a gente foi assistindo a ela a querer repousar a cabeça porque lhe estava a chegar o sono...

Inês - punha assim umas cadeiras que eram muito confortáveis e fazia assim uma espécie de cama e deitava-me lá, eles iam cantando e eu ia adormecendo...



Francisca - Uma vez que ela estava a dormir, o maestro aproveitou o facto de ela estar a respirar naturalmente para demonstrar como se respirava na música...

Marlene - Exactamente, para explicar a técnica da respiração.

Fernando - E a Inês não sabia que estava a ser usada como exemplo de técnica de respiração. Este coro é um local de afectos e é isto que valorizamos sobremaneira. A música tem essa característica.



Maria Eduarda - É a harmonia, não é?

Fernando - de criar harmonia entre as pessoas e neste caso dos coros, pela sua própria natureza, estamos todos para o mesmo, não há individualidades...

Maria Eduarda - E a Clara, já tirou tantas fotografias, não quer "meter a colherada"?

Clara - Eu já sou da última geração...

Fernando - Mas neste momento é a alma mater do coro

Clara - Também acaba por ser uma história familiar. A minha cunhada foi, levou a minha filha e eu entre ir levá-la e buscá-la acabei por experimentar e ficar.
Nunca tinha cantado, sempre pensei que não conseguiria cantar, mesmo em miúda, no infantário, perguntavam quem estava a desafinar, e era eu. E agora acho que pelo menos não tenho estragado o trabalho dos outros...
Para mim é uma maneira de acabar o dia bem disposta. O dia pode ter sido "stressante", pode até custar a sair para o ensaio, mas quando lá chego e quando de lá saio, a disposição é completamente diferente. Por isso é que continuo. Acho que vale a pena.



Marlene - Acho que é exactamente essa a experiência que partilhamos. Com duas crianças, chegamos a casa a correr, jantar a correr e abraçar este projecto, para além do conjunto, também familiar, porque no meio de tanta correria, é um
momento em que a família está toda no mesmo projecto harmonioso e tranquilo e isso tem sido enriquecedor para nós. Também é bom que as filhas se manifestem para que as outras pessoas saibam o que as motiva. Não somos nós que as
levamos, são elas que sentem a necessidade, a motivação...

Francisca - è bom conhecer muita gente que me dá carinho, me trata bem, rimo-nos, cantamos, também é muito importante, e depois também o meu desenvolvimento na escola é melhor porque se alargam os horizontes através de novas pessoas, outros saberes.

Maria Eduarda - Há quem pense que se deve só estudar e não se deve ir a isto ou àquilo e, ao contrário, o alargamento de actividades acaba por abrir perspectivas que enriquecem a intervenção escolar

Clara - O facto de ser muito diferenciada a formação dos coralistas é enriquecedor

Manuel - Estas actividades paralelas ao estudo só são enriquecedoras pela abertura de novos horizontes. Só o estudo torna uma pessoa muito atrofiada, pode ser um bom técnico de alguma coisa mas com uma visão muito parcelar. Uma pessoa para estar no mundo tem de ter uma visão mais abrangente.

Inês - Eu acho que estarmos no coro é muito bom porque nos divertimos, convivemos, conhecemos outras pessoas, também alargamos o nosso instrumento vocal e como sou uma criança num coro de adultos, tratam-me bem, gostam muito de mim...

Fernando - E se isto é bom para nós, por maioria de razões é para as crianças. Porque elas estão a crescer e podem crescer melhor

Clara - Eu sinto isso na minha filha. Ela também, mesmo com testes no dia seguinte, só em último caso é que falta ao coro, nunca quer faltar ao coro

Fernando - Achas que está crescer melhor por estar no coro...

Clara - Sim, já tinha aulas de viola, já estava ligada à música, mas é diferente. E é engraçado, ela é extremamente ligada a música rock, música pesada, mesmo na viola o que toca é rock e no coro canta outras músicas, populares, clássicas, e ela canta e gosta. E acaba por conhecer mais coisas. Por outro lado adquirimos todos maior capacidade para escutar, porque não aprendemos só a cantar, aprendemos também a escutar

Maria Eduarda - E até a escutarmo-nos...

Francisca - Eu acho que nos concertos também há uma interligação, os espectadores também participam... Numa altura em que andei um bocado cansada e não fui ao coro, assisti duas vezes a concertos e gostei muito. É uma perspectiva diferente, mas muito interessante também.

Clara - E ajuda a colocar a voz para outras actividades como, por exemplo, dar aulas. Dá-nos outra versatilidade.